quinta-feira, 13 de maio de 2010

PEQUENA INTRODUÇÃO À AFROASCENDÊNCIA DO BRASIL


Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.
Escola Experimental de Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico Existencial

Os Afrodescendentes constituem um segmento muito vasto da popula-ção Brasileira. Em particular nas regiões onde vigorou mais inicialmente a co-lonização. Isto, em particular, porque, quando falamos de Afrodescendentes, não podemos em absoluto nos limitar ao segmento Afrodescendente dos Ne-gros Sudaneses imigrados como cativos pelo tráfico de escravos, e sua des-cendência Brasileira Mulata e Cafusa. Afrodescendentes são também os grupos e tipos étnicos de povos e mestiços Africanos não Sudaneses, especifi-camente do Norte da África, do Saara, e do Magreb.
As raízes afroascendentes do Brasil em muito transcendem assim à contribuição fundamental dos Negros Sudaneses, seqüestrados, cativos, e escravizados para o comércio e para as sociedades escravistas. Primeiro para o tráfico transsaariano, e para o Oriente, e Europa; depois, para o tráfico transa-tlântico de escravos, para as Américas.
Assim considerando, quem não é diretamente Afrodescendente no Bra-sil? Os Lusitanos ‘puros’, talvez; na medida em que isto seja concebível; em especial os que não descendem dos que passaram pela África. Os imigrantes Alemães, Poloneses, Nipônicos do século XIX, os imigrantes Coreanos e Boli-vianos do Século XX; alguns outros imigrantes do Norte Europeu... Os imigrantes Italianos, ainda que os Italianos sempre tenham existido em íntima relação com a África, em particular as suas populações meridionais, mas igualmente do Veneto...
Todos esses, não obstante, quando no Brasil aportaram, imergiram nu-ma realidade fortemente afrodescendente. Ou seja, uma realidade social e his-tórica em que a afrodescendência se espalhava; primeiramente pela própria elite colonial; na medida em que esta era composta de um modo importante por indivíduos e grupos que já vinham para o Brasil provenientes do colonialismo Europeu Lusitano na África. Gerações de colonialismo Lusitano na África cria-ram uma elite colonial mestiça, Lusitano-Africana, que se transfere para o Bra-sil, ligada aos negócios do açúcar, ao tráfico de escravos, e ao comércio dos produtos coloniais. Claro que, ao lado dessas um segmento com níveis varia-dos de ‘pureza’ Lusitana, na medida em que algo assim se possa conceber.

As relações das sociedades Européias com a África colocaram estas so-ciedades Européias em contato com um rico e histórico melting pot étnico e cultural Africano, do qual os Negros Sudaneses participaram, e participam de um modo fundamental, mas do qual eles não são naturalmente os únicos constituintes. O Norte da África, o Saara, o Magreb, o Sudão – Oriental e Ocidental --, perfizeram um imenso ecótone cultural ao longo dos séculos. Neste interagiram e miscigenaram-se Fenícios, Gregos, Hebreus, Romanos, Berberes, Sudaneses, Árabes, Mamelucos... E, a seguir, Portugueses, Espanhóis, Ingleses, Franceses, Belgas... Dentre outros.
O melting pot étnico e cultural Africano miscigenou, ao longo do tempo, o elemento Berbere com o elemento Negro, Sudanês. Os Berberes são um conjunto de povos nômades do Deserto do Saara, como os Tuaregs. Miscigenados com os Sudaneses -- de pele escura, melanodérmicos, da África Subsaariana, do Sudão --, os Berberes têm uma população que varia, em termos de cor da pele, num espectro que vai da pele de cor clara, até a pele Negra. Os Berberes habitam o Deserto do Saara, e as regiões ao Norte e Noroeste do Deserto, dos Montes Atlas, em particular, da África Sobressaariana, a África do Norte.
Os Negros, Sudaneses, habitam originalmente o Sudão -- Oriental e O-cidental --, e a floresta equatorial. O Sudão é uma faixa geográfica, de Leste a Oeste, ao Sul do Deserto do Saara, e que, por seu turno, limita-se ao Sul com a floresta tropical.
A partir do Século VIII, segundo Bonvill (), grandes levas de Árabes co-meçaram a invadir o Saara, a partir do Egito, e a se estabelecerem no Saara e adjacências. Ao longo do tempo, inevitavelmente, os Árabes, miscigenaram-se com os Berberes. Miscigenação da qual resultam os Mouros – pejorativamen-te denominado, desta forma, na ótica Européia.
Descendente assim do Berbere, o Mouro herda e compartilha caracte-rísticas fenotípicas de cor da pele. Em termos de pele, portanto, o Mouro pode variar num espectro de pigmentação que vai desde a pele de tonalidade clara, até a pele intensamente escura, melanodérmica.
O Árabe miscigenou-se, também, com mulheres Sudanesas, Negras; miscigenação da qual resulta o Mulato – especificamente Africano, e resultan-te, portanto, da miscigenação de pai Árabe com mãe Negra, Sudanesa.
Com a expansão do Islã, e do Império Turco Otomano, veio para e se espalharam pela África os Mamelucos.
Os Mamelucos resultam da miscigenação de Árabes com Turcos.
Os Turcos são de origem Mongólica. E emigraram da Mongólia, sua ter-ra natal. Passaram pela China, e se estabeleceram na região da Ásia Menor onde hoje é a Turquia. O processo da miscigenação que gera o Mameluco se iniciou quando os Árabes escravizavam crianças Turcas, na Península Anatólica, para treiná-las militarmente e constituí-las como uma guarda especial de seus dirigentes.
Os Mamelucos, termo que significa escravizados, se constituíram assim como a guarda dos dirigentes Islâmicos. E, logo, como uma casta que ganhou poder, e se espalhou por todo o Islã. No Egito, constituíram um Sultanato Ma-meluco, e espalharam-se pelo Saara e adjacências, acompanhando a propa-gação do Islã.

De modo que, dentre outros, temos na África -- no ecótone e melting pot interétnico e intercultural em que a África se constitui, mormente a África Oci-dental, no Magreb, na África do Norte, no Saara, e no Sudão --, a presença do
(1) Negro Sudanês, em maior ou menor proporção, com diversos grupos étni-cos. Temos, também, a presença dos
(2) Berberes, mais ou menos melanodérmicos; a presença dos
(3) Mouros, dos
(4) Mulatos, e dos
(5) Mamelucos. Da mesma forma que temos a presença dos
(6) Semitas Africanos, Árabes e Judeus – trazidos intensamente para a Áfri-ca Ocidental com a popragação do Islã, mas de presença ainda mais remota na África. A estes precisamos acrescentar os
(7) Turcos, que se disseminaram com a propagação do Império Turco Otoma-no. E uma significativa fração de
(8) renegados Europeus, que escaparam para a África, fugindo dos conflitos e das perseguições na Europa.
A imigração consistente de renegados Europeus para a África consoli-dou-se com a débâcle e conquista da Andaluzia, e a conseqüente expulsão de Mouros Árabes e Judeus, de Árabes e Judeus da Ibéria Andaluz.
A Andaluzia, na verdade, foi um enclave Africano no território que, pos-teriormente, viria a se constituir o Sul da Europa. A civilização Andaluza, que vigorou entre o Século VIII e o Século XV, foi uma civilização composta por Árabes, Judeus, e descendentes Católicos do Império Romano. Sob norma Árabe, a Andaluzia se regia pelo princípio Islâmico da Dhyma, segundo o qual o Muçulmano se propõe a proteger Cristãos e Judeus, uma vez que eles são povos do Livro.
A Andaluzia se constituiu não só como uma modelo de tolerância religiosa, étnica e cultural – um modelo para a contemporaneidade --, mas como a mediação fundamental que permitiu a passagem para o Ocidente do conhecimento do Império Grego, como também do conhecimento do Oriente.
A decadência da Andaluzia ensejou a sua invasão e dominação pelos reinos Católicos do Norte Europeu. Nem a convocação dos parentes Africanos Magrebinos, do Marrocos, foi suficiente para conter a sua queda e conquista. Os Árabes e Judeus expulsos da Andaluzia pelos reinos Católicos do Norte Europeu, sob o comando de Fernando e Isabel, ele de Aragão, ela de Castela, e de D. Manuel, de Portugal, emigraram em grande parte para a África Norte Ocidental, para o Egito, para a Turquia, e para o Novo Mundo.

Encontramos os mestiços resultantes deste melt poting étnico e cultural Africano no âmbito da população Brasileira, para a formação da qual contribuí-ram de modo importante. Encontramos em grandes nu meros os seus descen-dentes os seus descendentes na população Brasileira. Em particular nas regiões que sofreram mais inicial e intensamente o processo da colonização.
Sabemos bem como chegaram até nós os Sudaneses Negros escravi-zados. Mas e estes povos e mestiços do Saara, do Magreb, e do Norte da Áfri-ca?
Emigraram espontaneamente para o Brasil? Emigraram com o tráfico dos Negros Sudaneses escravizados? Com o comércio colonial, com o qual estavam envolvidos junto aos Portugueses? Emigraram como capatazes, ad-ministradores e seguranças da massa de Sudaneses escravizados? Como mi-lícias dos senhores feudais? ...
O fato é que a afrodescendência da população e das culturas Brasileiras é muito mais variada do que as interpretações que a vêem como limitada à contribuição de nosso importante segmento descendente dos Sudaneses Negros seqüestrados da África e imigrados escravizados.
Destes descendemos de um modo importante. Da mesma forma que descendemos de Berberes, de Mouros, de Mulatos Africanos, de Mamelu-cos Africanos, de Semitas Africanos, de Turcos, e de renegados Europeus Africanos e de sua descendência.
Quase todos, de uma forma ou de outra, encontram um denominador comum, e estereotípico, no Mouro. Da mesma forma que como Mouros eram entendidos os Africanos que resistiram à invasão da África, do Marrocos, e do Magreb pelas tropas européias; representadas, em particular, pela fatídica em-presa de invasão concebida e desastradamente perpetrada por D. Sebastião, de Portugal, em 1578.

Desta forma, quando examinamos a afroascendência do Brasil, consta-tamos um quadro muito mais diversificado de nossa afrodescendência. Por mais importante e interessante, que seja a contribuição para nossa afrodes-cendência da população Sudanesa, dos Negros imigrados à força depois do seqüestro, da cativação, e de serem constituídos como escravos, e com tais traficados.
Mesmo as condições dos Sudaneses seqüestrados em suas terras, e constituídos como escravos, e emigrados à força para o Brasil, por exemplo, carecem de serem compreendidas no contexto próprio das histórias, das soci-edades, das culturas e interações do Saara, do Magreb, do Marrocos, e do Norte da África; de seus povos e tipos étnicos.
Não se pode negligenciar a importância da contribuição dos povos Su-daneses mesmo para a constituição de povos e etnias do Saara, do Magreb e do Norte da África, como os Berberes, os Mouros, e os Mulatos Africanos. Não se pode negligenciar o comércio do Sudão, comércio de Ouro, e outros produ-tos, através do Saara, com o Norte e extremo Oriental da África; com o Magreb, e alhures. Da mesma forma que não se pode negligenciar a belicosidade genocida do Marrocos, do Norte da África e da Europa para com o Sudão. O papel dos Norte Africanos, dos Magrebinos e Saarianos, na preação de Suda-neses para a escravização, e para o tráfico de Sudaneses escravizados. Mas evidentemente que o seu contingente subsaariano, Sudanês não é o único constituinte da múltipla e variada rede de povos e de mestiçagens da África Norte Ocidental, do Magreb e do Saara.

Mas por que habitualmente se costuma reduzir de modo tão pertinaz a consciência de nossa afroascendencia apenas aos Negros Sudaneses?
Por motivos ideológicos, naturalmente...
Sabe Deus...
Pergunte a D. Sebastião...
Acredito que não é muito dizer que a exclusão no Brasil pode ser enten-dida como a vingança de D. Sebastião...
E, definitivamente, em termos de afrodescendência, a exclusão no Brasil não é apenas a exclusão dos Sudaneses escravizados e de seus descendentes – ainda que estes tenham sofrido a brutalidade sem par da preação, do seqüestro, e da escravização, da vida e trabalho escravos. Mas a exclusão no Brasil é, igualmente, a exclusão e a alienação de Mouros, de Berberes, de Mulatos Africanos – e Brasileiros --, de Mamelucos Africanos – e Brasileiros. De Semitas Africanos, de renegados Europeus africanizados.

Significativamente, todos estes faziam parte do exército Mouro de Abd El-Malek que resistiu a D. Sebastião, e trucidou-o. Que resistiu à sanha geno-cida da Europa renascentista com relação à África, que só antecipava o que viria então por mais trezentos anos de futuro.

Ou seja, tínhamos, no período colonial Brasileiro, uma massa de des-cendentes de Africanos, Negros Sudaneses, e não; Saarianos, Magrebinos, Norte Africanos, que era muito conveniente para as tarefas coloniais e demo-gráficas, e para a guerra; mas que estaria excluída, naturalmente, dos resulta-dos da empresa colonial.
Uma massa de descendentes de Africanos, Sudaneses e não Sudane-ses, com relação à qual uma imensa e sistemática e duradoura operação ideo-lógica precisava ser encetada. Para que, em particular, não desenvolvessem uma consciência coletiva de si.
Temos mais conhecimento das operações práticas – entre dois cocos: pedra – e ideológicas para impedir que a coletividade dos Negros Sudaneses tomasse consciência de si, e das possibilidades de sua ação. Certamente te-remos ainda que desvendar as astuciosas medidas práticas e operações ideo-lógicas para impedir que os Mouros – lato sensu – elaborassem a sua consciência coletiva...
Era bastante particular a situação do Mouro no Brasil em relação à me-trópole, e às elites coloniais.
Os Mouros da Andaluzia, e, em especial, do Norte da África sempre fo-ram o grande terror para o Sul da Europa. Os Mouros pirateavam os navios Europeus, escravizavam os seus tripulantes e passageiros, eram igualmente escravizados... A queda da Andaluzia foi retardada pela ajuda dos Mouros do Marrocos, que, por duas vezes, vieram em socorro de seus parentes. Tendo em uma das vezes atacado e saqueado a cidade de Santiago de Compostela. Roubaram todos os sinos, para que fossem fundidos, e o ferro reutilizado na confecção de lamparinas para suas mesquitas. O paroxismo maior foi quando o tresloucado D. Sebastião decidiu operacionalizar um desvario que se lhe havia sido incutido ao longo de seu crescimento: invadir o Marrocos, para se tornar o Rei dos Mouros.
Em 1578, liderando um relutante exército Europeu, D. Sebastião, invadiu o Marrocos. Efetivamente, não tinha a mínima idéia do que lá encontraria, nem do que era uma guerra no deserto, e de quem eram e de quais condições dispunha o inimigo. Pensava tratar-se de um passeio militar, do qual sairia rapidamente vitorioso. Seu exército, e ele próprio, foram trucidados em seis horas, segundo Bonvill (). O que comoveu e assustou Portugal e a Europa. Em particular com a posterior sangria de recursos para o pagamento dos resgates de nobres e eclesiásticos, cuidadosamente aprisionados e reservados pelos Mouros para suprir um riquíssimo negócio.
Os Mouros eram, assim, para Portugal -- da mesma forma que para o Sul da Europa, e para a Europa como um todo --, um perigo, e um inimigo por excelência.

Para o Brasil colonial não se deslocou, apenas, naturalmente, uma elite colonial e os escravos que eles usavam. Em primeiro lugar é importante consi-derar que esta ‘elite’ já era também uma ‘elite’ colonial africana, africanizada. Na medida em que em grande parte se constituía pela elite Lusitana da empre-sa colonial na África. Já era uma ‘elite’ africanizada. Africanizada étnicamente e africanizada culturalmente. Africanizada culturamente, em particular, na cultura do colonialismo. É preciso considerar esta africanidade colonial das elites coloniais e pós coloniais Brasileiras. Esta africanidade colonial responde por importantes de seus aspectos.
Mas deslocou-se, ou foi deslocada, igualmente, para o Brasil uma gran-de quantidade de Mouros, de Berberes, de Mamelucos Africanos, de Mulatos Africanos, de Semitas Africanos, e de renegados Europeus africanizados; além dos Sudaneses objetos do comércio de escravos.
Todos eles ajudavam a compor as quantidades da população de um pa-ís que a elite colonial Lusitana, e Lusitana Africanizada, não poderia suprir e compor.
Naturalmente que miscigenações significativas e diversas vão ocorrer no Brasil entre todos estes elementos, e com o elemento Lusitano, e Europeu não Lusitano. Gerando, em particular, os mestiços Brasileiros. Como o Mameluco Brasileiro – resultante da miscigenação do Mameluco Africano com o Ameríndio Brasileiro (miscigenação, creio, responsável pelos belos, enormes e melancólicos olhos de certos tipos do Maranhão e do Pará...). O Mulato Brasileiro, resultante da miscigenação do Mulato Africano, ou do Sudanês Negro Africano com o Branco Lusitano, ou com o Branco Europeu não Lusitano. O Caboclo... O Curiboca, ou Cafuso, resultante da miscigenação do Mulato ou do Sudanês Africano com o Ameríndio Brasileiro...
Claro que não se pode advogar tipos étnicos puros. Mas tipos originários e ideais, em vários graus de miscigenação.

No Brasil, o Mouro -- os tipos étnicos Africanos e os mestiços Africanos mudam de figura. E de função.
O grande perigo, não obstante, seria o de ele recuperar e desenvolver a auto consciência coletiva. O grande perigo seria de ele resgatar a sua história, e historicidade.
No Brasil colonial, o problema não eram as possibilidades dos ataques vin dos do Norte da África, ou dos Mouros Andaluzes. No Brasil o problema era o Indígena Ameríndio, eram as guerras contra os indígenas, e os esforços para a escravização do indígena. No Brasil colonial, o problema eram as guerras com os Europeus não lusitanos. E era o problema da administração da opres-são contra a massa dos trabalhadores Sudaneses escravizados.
No enfrentamento destes problemas era limitada, naturalmente, a parti-cipação dos indígenas, e a participação dos Sudaneses...
De modo que os Mouros, os Berberes, os Mamelucos e Mulatos Africa-nos: os mestiços Norte Africanos, Magrebinos e Saarianos, eram o grupo de eleição por excelência.
Desde que fossem tomadas as precauções práticas e ideológicas contra a sua tomada de consciência coletiva de si. E desde que se cuidasse das preo-cupações práticas e ideológicas concernentes à administração da sua exclusão dos benefícios da empresa de seus “aliados”, e senhores. Para a qual deles se esperava que trabalhassem com afinco e denodo.
Isso não era muito difícil. Uma vez que, apesar de povos fortes e inten-samente guerreiros, estavam na ausência de seu ambiente natural. Além do mais, mestiços, dispunham de elementos de etnia Sudanesa, elementos étni-cos Semítico Africanos, sobretudo Árabes; elementos de etnia Berbere, mas numa mistura que não permitia facilmente uma unificação e o desenvolvimento de uma auto consciência coletiva.
O Berbere não é originalmente Árabe, nem originalmente Muçulmano. E guarda os profundos ressentimentos do processo histórico da colonização pe-los Árabes. Sua adesão ao Islamismo, enquanto religião característica de um grupo étnico é inconsistente. Da mesma forma ocorre com o Mouro, que resulta da miscigenação do Berbere com o Árabe. Por isso não há muito que pensar em unidade étnica, religiosa ou cultural dos mestiços Africanos. Na verdade, o seu maior elemento de identificação passou a ser mesmo a cultura Brasileira...
Os elementos de unificação étnica dos mestiços Norte Africanos, Ma-grebinos e Saarianos, os elementos de desenvolvimento de sua auto consciência coletiva não tinham uma consistência significativa. O que permitiu ao colonialista facilmente controlá-los e usá-los de modo relativamente fácil. E ainda, de modo relativamente fácil, excluí-los dos benefícios da empresa colonial.
A realidade, entretanto, é que se cria uma contradição política, uma con-tradição sociológica, fundada na contradição demográfica.
A da presença de uma elite Européia, ou Européia africanizada, que controla e tem o poder, os recursos e as armas; mas que não é suficiente para povoar o país; e a presença da massa de mestiços e tipos menos mestiçados, Afrodescendentes e Brasileiros, que majoritariamente povoa efetivamente o país, mas que é originariamente despossuída, e que sofre um ataque político sistemático, prático e ideológico, para que continue sistematicamente a sê-lo. Naturalmente que é uma premissa a exclusão sistemática, e ativa -- por vias prática, políticas e ideológicas, constituídas em mecanismos culturais --, destes segmentos do usufruto dos resultados da empresa colonial, e mesmo da em-presa pós-colonial. Na medida em que uma elite colonialista ‘nacional’ substituiu as elites colonialistas metropolitanas depois da Independência, e depois mesmo da proclamação da República. República incompleta, como diria Raimundo Faoro.
Assim é que o ataque genocida da Europa à África, e ao Brasil, se per-petua no Brasil, com toda a sua astúcia e sanha genocida. Trata-se de excluir a África, de excluir os africanogênicos, de excluir os nativos e mestiços Brasileiros; de usar e excluir, mesmo que esta exclusão signifique simplesmente o extermínio genocida, por vias da violência institucionalizada, ou não.
Certamente que as medidas práticas e operações ideológicas, que ainda hoje atuam a todo pano, e que configuram o coração ideológico e cultural da exclusão no Brasil fizeram, e fazem parte importante do arsenal da guerra psicológica da colonização, e de perpetuação da desigualdade na sociedade Brasileira.




P.S.: Esse texto é do Afonso e eu precisava postá-lo aqui hoje. Por isso peço toda "licença poética" para tal feito.

Axé a todos!!!

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